Respire fundo, respire!
Desta vez, o encontro das novas exposições na dotART galeria parte da sensação de respirar como emoção, um convite para olhar e admirar uma obra de arte. Juntamos dois artistas que vêm trabalhando o universo da paisagem pitoresca e tropicalista do “universo Brasil”: tanto Pedro Varela quanto Cássio Vasconcellos estão ligados pelo desejo de fazer-nos sonhar com seus horizontes.
Para criar o enredo desse encontro, na Sala pensando vamos exibir dois vídeos de Ana Mendieta, artista que viveu uma experiência ímpar no cenário das artes visuais, realizando em suas obras um desdobramento de importantes questões, como as ações políticas, sociais e feministas na arte. Antes dela, as mulheres não tinham muita “entrada” no mundo da arte performance. Sua obra foi fundamental para que outras pudessem produzir, se organizassem e manifestassem politicamente, “cavando” espaços na arte atual para terem seus trabalhos vistos e reconhecidos. Ana produzia trabalhos mais viscerais, que conduzissem a um olhar para o corpo, seu corpo como extensão da própria natureza, aprofundando a pesquisa em torno da performance como linguagem expressiva.
Com esse prólogo do feminino como “paisagem” de Mendieta, que se apropria, convive e constrói um pensamento e uma ação de natureza política, tanto Pedro quanto Cássio são atravessados por essa temática, que expressam paisagens naturais ou construídas pelos artistas, assim como paisagens culturais re-significadas em imagens fotográficas e pinturas.
As exposições convidam a percorrer trilhas que são capazes de produzir sensações sonoras, revivendo lugares que fizeram parte do convívio dos dois artistas, sejam terra, caminhos ou locais visitados pelos sonhos… O que vamos ver aqui nas exposições de Pedro Varela e Cássio Vasconcellos, são paisagens de luz, com o uso da perspectiva como importante instrumento de representação. Diz-se que é por meio da luz que os dois artistas encontraram um ponto de criação em suas obras, a reação emocional às nuances de luzes e cores em cada obra provoca sentimentos diversos. Há uma relevância na representação de fundos e cenários, para uma nova ilustração de temas históricos, religiosos e poéticos… Esses atuais paisagistas, Cássio e Pedro, se encontram, não por acaso, e são convidados a respirar nessa cidade nomeada “Belo Horizonte”. Respire fundo… também!
Wilson Lazaro
A primeira individual de Cassio Vasconcellos em Belo Horizonte, “Viagem Pitoresca pelo Brasil” , é um ensaio inspirado nos pintores, desenhistas e gravuristas europeus que vieram retratar o Brasil no início do século XIX.
Foi em 1816 que o Príncipe regente de Portugal, Dom João de Bragança, decretou a abertura dos portos às nações amigas (até 1808 o País era completamente fechado à visitas estrangeiras) e assim, aportaram em terras brasileiras as primeiras missões artísticas que tinham como objetivo estudar e retratar da forma mais fiel possível o novo mundo, enviando informações e referências pictóricas ao velho mundo.
Estas gravuras, desenhos e pinturas, presentes nos livros didáticos e nos contos que escutava quando criança, compuseram o vocabulário visual de Cássio Vasconcellos, que sempre teve estas expedições em seu imaginário. Não é ao acaso, que Cássio é o tataraneto de Ludwig Riedel, botânico da expedição Langsdorff, a mais importante já realizada e que registrou os apectos mais variados da da fauna, flora e da sociedade, constituindo o mais completo inventário já realizado sobre o Brasil no século XIX.
Johann Moritz Rugendas, autor do álbum Voyage Pittoresque dans le Brésil; Jean-Baptiste Debret que fez o Voyage Pittoresque et Historique au Brésil; Hercules Florence, que segundo alguns documentos, descobriu isoladamente a fotografia no Brasil antes mesmo de ser oficiliazada na França em 1839, e comprovadamente foi a primeira pessoa a usar a palavra photographie no mundo; além de outros nomes como Conde de Clarac, Carl von Martius, foram algumas das relevantes figuras da época que construíram este legado, hoie escasso, e fundamental, servindo de ponto de partida para a série “Viagem Pitoresca pelo Brasil”.
A palavra pitoresca, presente no título, também vem carregada de sentidos. Seu conceito faz referência às impressões subjetivas desencadeadas pela contemplação de uma cena paisagística, que intermedia a ideia entre o sublime e o belo: “semelhante ou feito” como uma pintura. Inserido no contexto atual, a obra torna-se ainda mais curiosa, pois o antigo processo artesanal somente se tornou possível com os novos recursos digitais. A qualidade agregada à ideia era impossível de ser realizada em tempos de câmeras analógicas. E foi após este hiato de mais de dois séculos, que “Viagem Pitoresca pelo Brasil”, de Cássio Vasconcellos vem resgatar este rico material da nossa história, tranversalizar a linguagem na arte juntando a gravura, o desenho a pintura e a fotografia em um ensaio autoral, onde a natureza – apesar da evolução social – retorna à sua forma monumental e sublime.