A dotART galeria encerra o ano de 2016 comemorando o sucesso de sua programação, exposições, aquisições, novo espaço, novos parceiros e intensos projetos apresentando a exposição “Crônica” do artista Marcos Chaves, que se desdobra em humor, cotidiano, arquitetura e vida.
As perguntas elaboradas para o artista, foram construídas através de uma memória da exposição do artista que ocorreu no Museu de Arte do Rio em janeiro de 2015 que apontaram a trajetória de Marcos Chaves dentro da história da arte brasileira.
Após a experiência com essa exposição surge o desejo de trazer para BH, no espaço da dotART galeria 1 esse novo recorte, incluindo obras inéditas produzidas a partir dessas lembranças.
Wilson Lazaro Vamos começar pelo o que está acontecendo hoje no mundo, um momento de incertezas ou um mundo de muitas certezas… Nesse campo de variadas linguagens, vejo que você que trabalha a palavra ou faz pensar em uma “crônica” em sua obra, o você quer dizer com isso? Ou é apenas estética na obra?
Marcos Chaves A palavra, o humor e a crônica fotográfica que pratico quase que diariamente, fazem parte do meu glossário. São meus instrumentos para colocar em questão as incertezas, minhas e coletivas e desafiar as certezas. Uso o texto no meu trabalho para abrir os significados, ampliando as possibilidades de leitura e percepção de situações às vezes bastante simples e óbvias. O texto pode propor leituras mais complexas, dobras, propiciando o expectador acesso a outras possíveis interpretações do assunto em questão. Às vezes com a supressão de uma vírgula, um acento ortográfico ou mesmo a eliminação do espaço entre as palavras, procuro dar visibilidade a uma nova maneira de observar o que parecia ser o óbvio ou o clichê.
Mais do que nunca vamos precisar do humor para enfrentar esse atual momento do mundo. Ele pode ser bastante efetivo e combativo ao propor reflexões de maneira não dogmática.
WL Na sua obra “Eu só vendo a vista” o engraçado além do humor e da bela imagem de uma marca da cidade do Rio de Janeiro, vejo que cidade do Rio influencia sua criação e está presente constantemente na sua obra. Como ocorreu isso? É pensado ou acontece por um momento do instantâneo? No seu trabalho. Já que este postal e muito conhecido e fotografado por muitos, como tudo começou e você considera possível a realização de um trabalho como este em outra cidade, como Belo Horizonte, por exemplo?
MC Quando fiz esse trabalho, o Rio passava por um momento crítico. Falido, violento, sem perspectivas, nem se imaginava que viria a sediar as Olimpíadas, ter a Copa ou grandes eventos. Os próprios cariocas colaboravam para uma construção de uma propaganda negativa sobre a cidade.
Me lembro que nessa época essa imagem clássica, da Baía de Guanabara com o Pão de Açúcar era considerada kitsch. Ninguém colocaria esse pôster na parede.
Nessa época eu era um dos editores da revista O Carioca, que procurava fazer uma cobertura cultural da cidade e levantar o astral do Rio.
Quando na minha cabeça juntei a frase com a imagem, quase gritei “eureka!”, era uma síntese do que pensava sobre a cidade, sobre ser carioca, ser artista no Rio, sobre o mercado, no caso o da arte e o imobiliário… rs
Todas as camadas do trabalho estavam ali, até o valor de venda do trabalho tinha a ver com ele. Já que era impossível pelo seu baixo custo, vendê-lo a prazo.
Esse trabalho foi possível pelo meu envolvimento com minha cidade. Gostaria de poder pensar da mesma forma quanto a outros lugares, no caso o nome da cidade “Belo Horizonte” já é bastante convidativo.
WL Quais são os caminhos para realizar uma obra de arte hoje, já que tudo é possível? E como você comenta sua obra nesse contexto artístico atual?
MC Na realidade acho que a obra de arte de um artista é o conjunto dos trabalhos, ações, observações e reflexões sobre o mundo, o que está a sua volta e como ele reage a isso. Tornar isso possível é praticar com frequência, filtrando e decantando as informações e percepções, construindo o corpo do trabalho. Quando isso acontece esse trabalho se estabelece. Realmente tudo é possível. Mas acho necessário a construção dessa linguagem, e acho q ela independe da forma, matéria ou mídia usadas. O formato final pode ser qualquer um que o artista escolher.
WL Eu só acredito em artista que junta, poesia, ritmo e humor na sua obra para criar. Vejo isso muito presente no seu conjunto de trabalhos. Como surge isso na sua criação? Está vinculada na sua maneira de viver?
MC Esse é o ideal, é no que acredito. Mas existem escolhas diversas de ação. Às vezes sem passar pelo humor por exemplo.
Mas para mim é quase impossível ele não estar presente. Mas além do humor existe a procura pelo sublime. Que pode se manifestar através da poesia, da pluralidade de sentidos e significados, no olhar atento na inteligência, na construção da linguagem, no respeito ao materiais e condições do entorno, físico e humano.
Procuro manter meus sentidos livres e abertos para poder observar e trazer essas coisas para meu trabalho. Isso acontece no meu cotidiano, a criação de uma ideia, o porquê de fazer aquela fotografia naquele instante. A correspondência do meu estado emocional com minha sensibilidade de percepção pode propiciar a efetivação de uma ação, um resultado artístico.
Depois disso tudo, é o trabalho no estúdio. Lapidar, editar, tratar e definir forma e formato.